Reimunde Noreña, Ramón

Araceli Herrero cara e docta amiga                             

Para começar, tudo o que se poderia dizer ressumidamente de Araceli Herrero é que era uma mulher valiosa, tanto a nível pessoal como acadêmico. O resto quizá fora melhor não comentá-lo, como ela gostaria pelo seu insuperable pudor e discreção, mas vai ser impossível que os seus amigos que aquí escrevemos podamos cumprir com essa proibição ao falar duma pessoa que conhecemos e admiramos. No entanto, no que segue procurarei centrar-me nos temas de crítica literária e lingüística, que foram objeto do seu estudo e docência.

Clássica e precisa, Araceli. Seria difícil citar sem erro toda a sua bibliografia, a não ser que se disponha dos dados no seu computador ou das cópias e livros da sua biblioteca. Eu vou comentar só alguns escritos máis próximos à nossa colaboração e talvez pouco conhecidos.

Sendo muito detalhista na exposição de complicados conceitos mentais, Araceli utiliza cultismos, às vezes insolitamente raros (obliterando, hipócritos), mas escreve sem adornos, com um mínimo aparato técnico. E opina em plural, não majestático senão de humildade. Portanto, os seus textos são uma difícil combinação de singeleza e precisão, para o qual necessita empregar cultismos. O que não se vê por nenhuma parte é sentimentalismo pessoal.

No livro coletivo “Os escritores lucenses arredor de Fole”, de 1985, compara o conto literário europeu e o conto popular galego, fantástico ou maravilhoso, mas passa de biqueiras sem fazer nenhuma valoração do estilo e a qualidade de Ánxel Fole como escritor, só fala de seres míticos dos rios, as xácias, e sugere que podíamos aforrar as traduções de contos foráneos, tendo no país abundante literatura sobre o tema. Conhecia bem os “Contos populares da província de Lugo”, editados em Fingoi, e tinha em conta que “a crítica deve analisar, nom avaliar”, dado que o seu professor Carvalho Calero rejeitava a crítica sectária: “Nem amiguismos, nem compadreos, e menos desqualificaçons persoais”, segundo cita no seu último trabalho sobre Carvalho e Fingoi, excelente e contido resumo da opinião que tinha sobre Carvalho e sobre o Colégio Fingoi, onde precisamente Fole visitava a D. Ricardo até altas horas. Conhecia a inconveniência dos juiços de valor e fugia da louvança desmedida. Neste caso de Fole, a quem todos queríamos, fixo bem em não meter-se em profundidades críticas. Carvalho também não escrevia sobre Fole, que evita mencionar na sua magna obra da História da Literatura Galega, ainda que sim cite alguns colaboradores ocasionais como D. Cipriano Herrero, pai de Araceli. Fole não tinha publicado antes da guerra do 36.

Reimunde Noreña, Ramón

Xuntanza de escritores en Lugo: Paco Rivera, Ramón Reimunde, Araceli Herrero e Tuñas Bouzón

Sobre Luís Pimentel, a quem não inclue na sua História literária galega, sim escreve Carvalho Calero, quase sempre em espanhol, como o próprio Pimentel, a quem a Doutora Araceli Herrero Figueroa dedicou os seus máis fondos estudos e tese, fundamentalmente na sua obra prima, “Luís Pimentel. Obra inédita o no recopilada”, em ediciones Celta de Lugo em 1981. Creo que é neste livro fulcral onde Araceli atinge a perfeição ecdótica e de textologia, com certeça em espanhol, língua familiar que dominava. Pelo qual, em Lugo daquela época, tem máis mérito que escrevesse depois em galego, mesmo em um perfeito galego reintegrado, que é o máximo. Vamos correr um espesso veu sobre os últimos anos de Araceli nos que escreve em normativa oficial, aliás como o seu nome indica, por ser a língua institucional na sua Universidade e a que lhe permitia publicar onde queria.

Mas este é um assunto importante, não menor, porque dá lugar a que umas galegas critiquem a outras por razão da normativa empregada na língua, onde devíamos ser tolerantes em que cada quem escreva como quiser. Depois da morte de D. Ricardo (1990) Araceli deixa de escrever em galego reintegrado, com alguma excepção como na revista Agália nº 25 do ano 1991 dedicada a Cunqueiro, no artigo “Teatro mítico: Verona e Elsinor. Umha leitura palimpsestuosa?” (palimpsesto: pergaminho raspado de novo, texto que existe sobre outro texto), revista da que era assesora como eu mesmo. Precisamente coincide no tema teatral e cunqueiriano com outro texto do que falaremos a seguir, este já escrito em normativa de mínimos. A tutela e vigiância de Carvalho Calero tinha terminado, e for por convencimento ou for por circunstâncias que aconselhavam prudência, Araceli voltou à norma oficial, ainda que utilizando nas aulas a normativa de mínimos de 1980, divulgada em livro por Joám Carlos Rábade, o seu companheiro e amigo professor em Magistêrio de Lugo, depois catedrâtico de galego na Corunha, a quem eu devo o primeiro conhecimento de Lilí. Não há nada a objetar à sua ortografia.  

Araceli estudou também Dona Emilia Pardo Bazán, tão de moda atual pelo Paço de Meirás de triste história e final feliz (Congresso AGAL). Mas sobretudo estudou o Teatro com maiúscula (Cotarelo, Cunqueiro, Carvalho Calero, Castelao...) e com minúscula por ser protagonizado por crianças como ela mesma (Fingoi). Neste tema teatral vou citar um texto, talvez desconhecido para muitos leitores cultos, publicado nas Actas do Congresso Álvaro Cunqueiro, celebrado em Mondonhedo em 1991, do que ela foi a primeira coordenadora, junto com nós e os amigos Bernardo Penabade e Xavier Cordal. Trata-se da magnífica ponência titulada “O teatro elisabethiano de Cunqueiro como metadiscurso teatral”.  

Araceli, obscura. Araceli, hermética. Araceli, exacta. A sua técnica crítica é difícil de entender e de seguir, porque tinha muito bem estudados os críticos estruturais e aplicava aos textos o seus sistemas e teorias de análise, citando a Genette, Greimas, Propp, Todorov, ou Bobes, com aquelas palavras não sempre compreendidas por todos, como metadiscurso teatral e intertextualidade. De não conhecermos esses teóricos da crítica literára, será difícil de compreender como os aplica Araceli aos seus comentários de textos e autores. Nestes estudos das obras elisabethtianas de Shaquespeare comparadas com as de Cunqueiro (Hamlet e Función de Romeo e Xulieta), perdémo-nos em profundidades incompreensíveis. Quiçá não fosse a Doutora Herrero tão obscura, hermética e exacta como parece. Somos nós ignorantes.

Mas para finalizar, tenho que salientar alguns traços pessoais de Lilí, -como a chamavam os achegados-, já que poderia parecer que a Doutora Araceli Herrero nas suas aulas e nas suas publicações académicas resultava pesada e difícil de seguir e entender. Na vida real era uma pessoa muito afável e faladora, simpática, contadora de anedotas humorísticas e dotada de dom de gentes, mantendo sempre uma atitude muito correta nas formas, pouco dada a manifestações físicas de carinho, salvo na sua família e amizades íntimas, pudorosa e clássica nos gostos, conservadora na ideologia e nas crenças. Ainda que isto não o podemos observar nos seus escritos e palestras, porque ía ao grão, sem conceder licenças a debilidades não pertinentes ao tema, com algumas poucas excepções, onde se permite algum comentário muito pessoal. Tal acontece no último trabalho seu publicado pela sua universidade e dedicado ao seu mentor e professor D. Ricardo Carvalho, excelente resumo dos tempos de ilhamento e solidão do diretor do colégio Fingoi e do teatro lá representado, a quem qualifica como um extraordinário professor de literatura, com uma detacada obra publicada, creativo e com um desenvolvido sentido da estética, mas também com um grande trabalho detrás ( “non parecia descansar nunca”), disciplinado, estrito e exigente… tal como o lembra com a sua visão de aluna adolescente. Atribue acertadamente a Carvalho a elaboração de um canom literário galego na sua História e nos seus estudos e artigos. Porém podia dizer muito mais de Don Ricardo como a sua aluna predilecta que era, e como as muitas cartas mútuas poderiam demonstrar, numa correspondência postal e telefónica longa, que preferiu guardar na reserva e na intimidade, dado o seu proverbial pudor e recato. Respeitemos a sua vontade de discreçom pessoal e lembremos e leamos de novo todo o que nos deixou Araceli escrito, ordenado, estruturado, e complexo, pelo que será recordada por aquela sua alta qualidade docente e científica. No âmbito amistoso e familiar também lembraremos outras coisas suas.

Araceli seguirá a viver em nós enquanto perdure a sua lembrança, agora multiplicada em muitas aracelis que evoque cada um dos participantes nesta homenagem no livro dos amigos. Mas Lilí, foi única e uma, a quem todo Lugo senhorial tratava e toda Galiza culta conhecia.

Nós reservamos também outras lembranças amicais, e o carinho que nos manifestou e lhe tivemos, sem ocultar a profunda tristeza da sua perda inesperada e prematura por culpa dessa maldita pandemia que nos tem confinados, até mesmo este fim, que esperemos que não seja o final. Afinal, o final sempre inoportuno confunde-se com o princípio, como o deste livro que felizmente vê a luz.