Montero Santalha, José-Martinho

Um ano sem Araceli

O ano começara com bons augúrios. A Real Academia Galega decidira por fim dedicar a Carvalho Calero o Dia das Letras Galegas de 2020, e já nos começos do ano se podia ver que arredor da lembrança da sua figura e da sua obra surgiam por todas as partes iniciativas de diversa índole, que prometiam uns meses ricos em divulgação da sua produção e em melhor conhecimento da sua pessoa.

Araceli, como todos os que lembramos com carinho Carvalho, estava feliz: agora ia ter novas e melhores oportunidades para reivindicar, mais uma vez, a memória do seu querido mestre e amigo de tantos anos. Chegaram-lhe convites para colaboração escrita ou oral de várias partes: a Universidade de Santiago, o Colégio Fingoi, a Real Academia Galega, o Concelho de Ferrol…

Nos meses de janeiro e fevereiro Araceli cumpriu com vários compromissos relacionados com o “Ano Carvalho”.

No dia 24 de janeiro o Concelho de Ferrol, em colaboração com a Real Academia Galega, inaugurava uma extraordinária exposição sobre Carvalho aberta no Centro Torrente Ballester. E ali nos juntamos, com familiares de Carvalho, com autoridades de Ferrol, com académicos e com muito outro público, alguns dos discípulos e amigos de Carvalho, que tivemos novamente ocasião de saudar-nos, de comentar novidades, de lembrar tempos idos... e de deixar constância da nossa presença ali em algumas imagens e fotos.

Araceli tinha prevista uma intervenção cirúrgica, mas antes quis cumprir com o compromisso de gravar uma mensagem de vídeo no Parlamento Galego, destinada a fazer parte de uma série de breves vídeos que a Real Academia Galega ia tornar públicos diariamente ao longo do mês de maio, elaborados sob a responsabilidade e direcção de Aser Álvarez. Foi provavelmente o derradeiro testemunho da sua voz e da sua imagem.

Entretanto avançava a pandemia do coronavírus. E chegamos aos meados de março, e chegou o confinamento domiciliário, e as nossas ruas, vilas e cidades converteram-se num impressionante deserto de silêncio e soledade... O "Ano Carvalho Calero" ficou reduzido ao campo dos meios audiovisuais e digitais.

A notícia de que Araceli estava ingressada num hospital de Lugo com coronavírus tardou em difundir-se. Foi nos primeiros dias de maio quando tivemos informação mais segura. Depois, através de familiares e amigos, fomos seguindo, com angústia mas ainda sempre com esperança, a sua evolução.

Com a imensa pena por sabermo-la ausente das nossas vidas no futuro, ficou-nos a sua lembrança de amiga entranhável, de pessoa serenamente comprometida com a nossa cultura, de investigadora rigorosa e inteligente...

Montero Santalha, José-Martinho

Homenaxe a Carballo Calero en Ferrol (maio 1982)

Araceli sobre Carvalho Calero

Araceli falava de Carvalho Calero como o “meu inesquecível mestre, querido profesor e o meu mellor amigo” (1994: 348), e louvava as “moitas leccións que recibín de quen foi meu grande mestre e meu mellor amigo” (2011: 74).

Gozou da confiança mais amigável de Carvalho, e ela própria tem citado repetidamente fragmentos das cartas que ele lhe enviou, “das muitas nas que me fala da sua obra”. São testemunhos de uma amizade cálida, que nos descobrem aspectos interessantes da vida mais pessoal de Carvalho, em tom que assume caracteres de confiada cumplicidade, especialmente nos duros anos finais de ostracismo e silenciamento por parte dos antigos confrades do galeguismo oficial.

Não deixou de reivindicar também o pensamento linguístico do seu mestre, frente àqueles “que desexan borrar a derradeira década de vida do profesor, en aras das máis peregrinas argumentacións, ou en virtude de non sei que estraños proxectos” (1994: 411). Sobre a problemática linguística declarava: “Posuo toda unha série de cartas nas que me comenta e discute, desde posicionamentos filolóxicos, sobre o reintegracionismo, con motivo das miñas reticéncias sobre o particular” (1994: 411).

A publicação de toda esta correspondência será um precioso contributo que enriquecerá o conhecimento não só da história pessoal das duas pessoas envolvidas (especialmente do Carvalho mais discreto e reservado) mas também de um período da cultura galega em geral.

Sobre Carvalho Calero Araceli escreveu tantos e tão excelentes artigos que constituem todo um tratado sobre a vida e a obra do seu antigo mestre e amigo. Neste caso, ademais, trata-se de análises e reflexões que transmitem o calor e o enlevo das lembranças mais familiares, desde os anos da infância de Araceli até os últimos dias da vida de Carvalho. Os dez artigos mais antigos, nove deles publicados previamente estando Carvalho ainda vivo, foram editados por ela mesma em volume na sua colectânea do ano 1994 sobre Pimentel, Cunqueiro e Carvalho: são mais de 100 páginas, de grande formato, dedicadas a diversos aspectos da obra do mestre, já então falecido (1994: 297-415).

Recolho a seguir uma lista dos seus trabalhos mais importantes sobre Carvalho em ordem cronológica:

  • "A procura da transcendéncia en Saltério de Fingoi", em: Grial (Vigo), vol. 19 (1981), núm. 74 (outubro-dezembro 1981), pp. 480-489.
  • "Carballo Calero, poeta", em:  [Vários], Homenaxe a Carballo Calero, Cadernos do Medúlio, Ferrol 1982,  pp. 25-29. [Estudo sobre a poesia de Carvalho, publicado quando só saíram à luz os livros poéticos compilados em Pretérito imperfeito (1927-1961) (1980), e portanto limitado a eles, mas ainda assim magnífico].
  • "Sobre A xente da Barreira: breve aproximación á leitura dunha novela", em: Grial (Vigo), vol. 21 (1983), núm. 81 (julho - setembro de 1983), pp. 368-376.
  • Recensão de Libros e autores galegos [volumes I e II: A Corunha 1979 e 1982 respectivamente], em: Agália (A Corunha - Ourense), núm. 1 (primavera 1985), pp. 111-114.
  • O teatro en Fingoi, Cadernos da Escola Dramática Galega (núm. 82, março 1990), A Corunha 1990, 8 pp. [Lembrança das actividades teatrais promovidas por Carvalho no colégio Fingoi, na sua etapa luguesa (1950-1965), na quais Araceli, aluna do centro, participou repetidamente].
  • "Intertextualidade, contra-obra e reteatralizaçom", em: [Vários], Ricardo Carvalho Calero: a razón da esperanza, Promocións Culturais Galegas, Vigo 1991 (Colecção "A nosa cultura", núm. 13), pp. 77-83.

Montero Santalha, José-Martinho

Arredor de Carballo Calero en Ferrol

  • "O estatuto do narrador. Pluridiscursividade e intertextualidade em Aos amores seródios", em: [Mª do Carmo Henríquez Salido (ed.)], Actas [do] III Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, 1990: Vigo, 27, 28 e 29 de setembro, no Auditório do Centro Cultural CAIXAVIGO; Ourense, 30 de setembro e 1 de Outubro, na Faculdade de Humanidades; Em homenagem ao Professor Carvalho Calero; Mª do Carmo Henríquez Salido, Editora, Associaçom Galega da Língua (AGAL), A Corunha 1992, pp. 569-581.
  • "Didáctica do texto dramático: O relato mítico e a transmodalización", em: O teatro e o seu ensino, Universidade da Coruña, A Corunha 1993, pp. 85-93. [Actas de um simpósio sobre "O teatro e o seu ensino". Reeditado na colectânea da autora publicada em 1994: 28 "Didáctica da literatura. Relato mítico e transmodalización", pp. 389-400].
  • "Um narrador, leitor de Vergílio Ferreira: Dialogismo crítico ou dialogismo poético?", em: Nós: Revista Internacional da Lusofonia (Pontevedra - Braga), números 35-40 (1994), pp. 67-72.
  • Sobre Luis Pimentel, Álvaro Cunqueiro e Carballo Calero. Apontamentos de Filoloxia, Crítica e Didáctica da Literatura, Edicios do Castro, Sada - A Corunha 1994, 420 pp. No "Limiar" (pp. 7-9), datado no fim em “Lugo, Xaneiro, 1993” (p. 9), a autora explica “que se trata da recopilación de estudos e ensaios de diferentes momentos da nosa vida profesoral, épocas distintas en que nos asomámos à obra de tres autores concretos, escollidos en virtude da nosa afeición” (pp. 7-8), “conformada por estudos e ensaios éditos e inéditos” (p. 8), escritos “de 1978 até este comezo de 1993” (p. 8). São em total 30 trabalhos, numerados, distribuídos em 3 secções, cada uma com 10 artigos: a primeira (artigos 1-10) sobre Pimentel, a segunda (artigos 11-20) sobre Cunqueiro, e a terceira (artigos 21-30) sobre Carvalho. Os 10 estudos sobre Carvalho são os seguintes:
    • 21 "A crítica literária na Galiza. Libros e autores galegos, I e II", pp. 299-306. [= Agália 1 (1985).]
    • 22 "Pretérito imperfeito. A procura da transcendéncia en Saltério", pp. 307-318. [= Grial 74 (1981)].
    • 23 "A gente da Barreira. Breve aproximación ao estudo dunha novela", pp. 319-330. [= Grial 81 (1983)].
    • 24 "O estatuto do narrador. Pluridiscursividade e intertextualidade em Aos amores seródios", pp. 331-349. [= Actas III Congresso AGAL (1992)].
    • 25 "Un narrador, leitor de Vergílio Ferreira: Dialoxismo crítico ou dialoxismo poético?", pp. 351-358. [= Nós, 35-40 (1994)].
    • 26 "O mito Abisag e a sua transmitificación. Gretchen versus Pimpinela", pp. 359-370.
    • 27 "Intertextualidade, contra-obra e reteatralización na Farsa", pp. 371-387. [= Artigo no monográfico de A Nosa Terra, Vigo 1991].
    • 28 "Didáctica da literatura. Relato mítico e transmodalización", pp. 389-399. [= O teatro e o seu ensino (1993)],
    • 29 "O Teatro Fingoi, unha experiéncia pedagóxica na história da dramatúrxia galega", pp. 401-409. [= 1990].
    • 30 "A derradeira lizón do mestre", pp. 411-415. [Inclui a reprodução facsimilar de uma carta de Ramón Pñeiro a Carvalho sobre a normativa linguística, de data 29 de setembro de 1982 (p. 413), e a longa e pormenorizada resposta de Carvalho, do seguinte 7 de outubro (pp. 414-415)].
  • "Carballo Calero, poeta hispánico", em: A Trabe de Ouro núm. 23 (julho - setembro de 1995), pp. 431-435.
  • "Un narrador como recurso de metatextualidade e distanciamento da encenación de “Pimpinela”", em: José Luís Rodríguez (ed.), Estudos dedicados a Ricardo Carvalho Calero: Reunidos e editados por José Luís Rodríguez, Parlamento de Galicia / Universidade de Santiago de Compostela, Santiago de Compostela 2000, 2 volumes: vol. 1: A obra de Ricardo Carvalho Calero, pp. 239-258.
  • "Carballo Calero no diagrama da comunicación dramática. Carballo, poeta dramático e ironista", em: Teresa López / Francisco Salinas (eds.), Actas do Simposio Ricardo Carvalho Calero "Memoria do Século", Departamento de Galego-Portugués, Francés e Lingüística da Universidade da Coruña / Asociación Sócio-Pedagóxica Galega, 2002. [Actas do simpósio celebrado nos dias 23, 24 e 25 de novembro de 2000 na Universidade da Corunha], pp. 227-247.
  • "A creación literaria do profesor Carvalho Calero", em: Encontros con Don Ricardo: Carvalho Calero, de Ferrol para o mundo, Concello de Ferrol (Concellería de Educación e Universidade), Ferrol 2011, pp. 57-74.
  • "Anos lugueses e tempos de Fingoi. Ricardo Carballo Calero, profesor e filólogo, sobre fondo gris na cidade murada", em: Francisco Cidrás (ed.), Ricardo Carvalho Calero. As formas do compromiso, Universidade de Santiago de Compostela, Santiago de Compostela 2020 ["Dia das Letras Galegas 2020"], pp. 45-71.
  • "O maxisterio de Don Ricardo supuxo un galano que, sen ser sequera conscientes, e menos merecentes, recibimos nenos e nenas de Lugo e provincia", em: Xulio Xiz (ed.), Carballo Calero en Lugo: Don Ricardo de Fingoi, Colectivo Egeria, Lugo 2020, pp. 65-70.

Montero Santalha, José-Martinho

Araceli na homenaxe en Ferrol a don Ricardo

Carvalho Calero sobre Araceli

Carvalho não deixou de manifestar, uma e outra vez, o seu profundo carinho a Araceli.

Lembrando as representações teatrais em Fingoi citava, entre outras, “as irmás Herrero”: “Felizes dias de Fingoi! Com actrizes tam excelentes como as irmás Baamonde, as irmás Herrero, as irmás Fernández [...]”.

Em março de 1965 as irmãs Herrero resultaram galardoadas em poesia galega nas "Festas Minervais" compostelanas desse ano. Os resultados deste concurso foram recolhidos pela imprensa galega: primeiro prémio “A la trilogía presentada bajo el lema "Liliana", que resultó ser original de la Srta. María Araceli Herrero Figueroa, del Instituto Femenino de Lugo”, e terceiro prémio “A la trilogía presentada bajo el lema "Pimpinela", original de la Srta. María del Carmen Herrero Figueroa, alumna del Colegio Fingoy, de Lugo”.

Umas semanas depois, Ramón Piñeiro em carta a Carvalho Calero, datada em Santiago a 26 de abril de 1965 comentava-lhe:    “[...] Por certo que está por eiquí o Lapa [...]. Mira unha cousa: o Lapa interesouse moito polo poema de Araceli. Si ti me quixeras xestionar unha copia! En realidade case sería ben que me xestionaras copias dos dous poemas premiados das duas irmás, porque a razón principal do interés do Lapa é o tratarse de raparigas novas que escriben poesía galega”.

Carvalho responde-lhe desde Fingoi dali a poucos dias, com data 2 de maio: “[...] Pedínlle a Araceli que me fixera as copias dos poemas pra o Lapa, pois anque eu debo ter nalgunha parte ises poemas, buscalos e copialos, por moi sinxelo que pareza, é cousa que non sei cándo podería facer. ¡Teño fai tres días no meu poder o paquete das obras de teatro e inda non o abrín! O luns visitaráme Araceli pra que a ensaie o seu papel de narradora en Pimpinela, e supoño que me traguerá isas copias, que che mandaréi axiña”.

Efectivamente, dois dias depois, em 4 de maio, Carvalho envia-lhe os poemas e comenta-lhe: “[...] Van ahí copias das tres poesías premiadas de Araceli, e unha da súa irmá Carmen, a que xulgo máis espontánea e graciosa na súa inxeleza. Araceli fixo ises versos aos dezaséis anos, que son os que inda ten. Carmen escribíu isa poesía como exercicio na miña crase de Literatura o curso pasado, á idade de catorce anos”.

Não concluiu aí o eco do poema de Araceli. Em artigo publicado no jornal Faro de Vigo no dia 11 de julho seguinte, Carvalho comenta a expressão andar ao feito usada por Rosalia num dos seus poemas em que narra como um caminho que ela observava desde a sua casa “anda ó feito, aqui escondido, / relumbrando máis alá”.

O que realmente feito sinifica aparez ben claro se comparamos o testo de Rosalía con outro testo literario recente. [...] Xurde naturalmente no meu recordo porque é dunha discípula miña e leuse pola súa autora na miña presencia o 18 de marzo derradeiro, no Hostal dos Reis Católicos. Tratábase dos xogos floráis Minerva, nos que Araceli Herrero Figueroa outivo a flor natural. Un dos poemas da triloxía galardonada evoca a Luis Pimentel na Praza Maior de Lugo, nas inmediacións da cal nacéu Araceli. Dirixíndose ao poeta morto, Araceli escreve:

Nacín a dúas pasadas da túa casa.
De nena,
xoguéi na túa amada praza.
E agora, xa muller, paseo por ela.
Conocínte. Quizaves algún día,
xogando ao feito,
teña dado unha volta ao teu redor,
fuxindo das amigas,
ou me teña agochado detrás túa
pra que elas non me viran.
¡En xogar só daquela me ocupaba!

O contesto aclara neste caso perfeitamente a sinificación de feito. Evócase, no ambiente provinciano que amaba Pimentel, un xogo de nenas. En Lugo e noutros lugares de Galicia xogar ao feito é “xogar á queda agachada” ou “xogar á colondra[…]”.

Andar ó feito, pois, en Rosalía, é andar como xogando ao escondite. [...] O camiño, á vista da ouservadora, ocúltase unhas veces, e outras reaparez. Anda xogando ao feito, como Araceli Herrero, hai moi poucos anos, na súa Praza Maior”.

Quando apareceu o primeiro volume da sua magna Historia da Literatura Galega Contemporánea (1808-1936), Carvalho encarrega à Editorial Galaxia que enviem gratuitamente a Araceli um exemplar que ele pagará. Escreve a Fernández del Riego, em carta datada em Fingoi a 9 de setembro de 1965: “Fai o favor de enviar un exemprar da miña Historia da Literatura Galega Contemporánea a Araceli Herrero Figueroa [...]. Iste envío farálo ceibe enteiramente de todo gasto. Os que poden se orixinar, enténdeos da miña conta, e xa arranxaremos iso ti e máis eu”.

Sobre a boda de Araceli e Humberto, em janeiro de 1968, a imprensa lucense informava que “Dio fe del acto en representación del juez, don Ricardo Carballo Calero”.

Carvalho dirigiu a sua tese de doutoramento sobre Pimentel, defendida em 1977, depois de vários anos de trabalho (“desde o 1973, cando comecei a estudar a Pimentel baixo a dirección de Carballo Calero”, 1994: 117).

Em 1981 prologou dois livros de Araceli: a edição do Teatro histórico e mariñeiro de Armando Cotarelo e a Obra inédita o no recopilada de Luis Pimentel.

Em dezembro de 1984 Carvalho escreveu para ela um poema, que ele copiou como dedicatória no exemplar da sua nova colectânea narrativa (Narrativa completa, 1984): um poema (que começa “Lillian: ¿Virás comigo à casa da Barreira [...]?”) que constitui como um resumo dos seus textos narrativos, e que Araceli reproduziu em facsímile na sua colectânea de 1994 (1994: 348-349).