Rodríguez Fernández, José Luis

Nas terras do sem fim

Acabo de receber o convite para participar no volume “O sorriso de Lilí”, que evoca a figura inesquecível da amiga e colega, colega e amiga, Aracéli Herrero Figueroa. E de imediato acudirom em aloucado tropel as notícias que nos foram chegando, no início quase da pandemia que, mesmo poupando a vida e a saúde, tanto nos condicionou vitalmente; notícias relativas ao processo que levou ao seu inesperado passamento, e no qual ainda hoje tanto custa acreditar.

O primeiro a que mecanicamente acudim foi reler o seu mais que provável último trabalho, que ela decerto nom chegaria a ver publicado1, de título “Anos lugueses e tempos de Fingoi. Ricardo Carballo Calero, profesor e filólogo, sobre fondo gris na cidade murada”, no volume “Ricardo Carvalho Calero. As formas do compromisso”, com que o Departamento de Filologia Galega da USC homenageou o ilustre ferrolano, lucense e santiaguês, galego com maiúscula, a figura epónima das Letras Galegas de 2020. E com esta releitura incorporava eu mais alguns atinados juízos de Aracéli Herrero sobre o professor que tanto a marcou profissionalmente e sobre a sua obra, de que é umha das maiores especialistas, mas também evocava por detrás de cada frase o rosto, o gesto, até a voz e a entoaçom de Aracéli escrevendo ou relendo o seu texto. E de vez em quando, sorrindo, satisfeita ou inquisitiva. Porque o sorriso era, com efeito, consubstancial com a personalidade de Aracéli Herrero. E nom um sorriso de memória clandestina, como qualificava Nélida Piñon o sorriso da bíblica Sara, mas um sorriso aberto, pleno, confiante... Aracéli nom “levaba no bico un cantar”, mas sim um sorrir que aninhava nos seus lábios e fluía constantemente, amiúde acompanhado dum olhar que perscrutava o interlocutor com um pontinho de curiosidade, ou desconfiança. Mas também por vezes um sorriso explosivo, que brotava, cúmplice, perante um comentário ou um aceno brincalhom.

Rodríguez Fernández, José Luis

A lembrança traslada-me aos anos de comuns, a estudar Filosofia e Letras, na Universidade de Santiago de Compostela. Ambos, Aracéli e eu, vínhamos de Lugo. Mas nom nos conhecíamos; de facto, continuamos sem nos conhecer, pois ela só ao de leve freqüentou as aulas. Nom a evoco fazendo parte da malta, de qualquer malta. Sabíamos que era poetisa, e das premiadas, e muito boa aluna. O que nom significa que fosse distante ou inacessível, mas antes se calhar um bocado tímida. O acaso nom facilitou um conhecimento que excedesse o nível mais superficial. Tratava-se aliás de aulas de muitos alunos, nas quais umha boa parte dos colegas permanecia no “fundo gris” do quadro…

Muitos anos depois, já no Departamento de Galego dirigido por dom Ricardo Carvalho Calero, na minha qualidade de professor agregado interino de Filologia Galego-Portuguesa (1976-1977), volto a encontrar Aracéli Herrero, esta vez no entorno do ilustre professor, com outras ex-colegas e sempre amigas, como Aurora Marco ou Marili Fontoira, condiscípulas de tempos distantes. Agora com um elemento mais, que nos compactou: a batalha pola língua. Com momentos amargos, reprimidos, mesmo represaliados, na nossa condiçom de reintegracionistas, academicamente postergados. A começar polo próprio dom Ricardo. Também Aracéli Herrero. E alguns bons momentos, em congressos, simpósios, encontros vários, que facilitavam o convívio e ampliava os nossos horizontes, tanto científicos como, mormente, humanos. E solidificavam amizades, que o distanciamento geográfico e os legítimos interesses académicos de cada qual, nom iriam anular. Refiro-me muito particularmente aos trinta anos após o falecimento do professor Carvalho Calero (1990), em que os contactos escassearom, envolvidos uns e outros nas próprias dinâmicas familiares e vitais. “Fugit inexorabile tempus”. Já se sabe!

Aracéli Herrero, Lilí, será recordada polos seus trabalhos de filologia literária, diria dom Ricardo, galega e hispânica. O seu nome irá ligado ao de Carvalho Calero, mas também a escritores que muito freqüentou como Luís Pimentel, objeto da sua tese de doutoramento, Álvaro Cunqueiro, Armando Cotarelo ou Rodríguez López..., até a própria Pardo Bazán. Será umha referência decerto inescusável, mas os amigos que a conhecemos e a tratamos, e singularmente a sua família, acrescentaremos à sua obra investigadora e criativa a imagem sempre cálida e cordial, o seu sorriso benfazejo, o seu saber estar, enfim, a sua qualidade humana que nos estimulava e nos fazia melhores. Ultreia, Aracéli!